Por RÔMULO VALENTINI
Nos últimos dias, recebi várias perguntas de alunos, amigos e colegas de trabalho sobre a veracidade da alegação impactante do Min. Luis Roberto Barroso de que 98% dos processos trabalhistas de todo o planeta estão no Brasil.
Respondi que não tinha como averiguar a veracidade desses dados e que seria necessário realizar uma ampla pesquisa nas fontes primárias para se confirmar a estatística alegada.
Hoje, tive notícia que já saíram os primeiros estudos sobre o tema proposto. E, não surpreendentemente, revelou-se falsa a estatística apresentada pelo Ministro, a qual aparentemente foi embasada em afirmações do sociólogo José Pastore, datadas de 2009.
Conforme pesquisa de Rodrigo Carelli ( Disponível em https://jota.info/artigos/barroso-negros-de-primeira-linha-e-a-reforma-trabalhista-21062017), no ano 2015, o Brasil teve 2.619.867 casos novos na Justiça do Trabalho. No mesmo ano, a França teve 184.196 novos casos trabalhistas a Alemanha teve 361.816 novas ações e, somente a Espanha, 1.669.083 novos casos. Os números foram extraídos de repositório de dados dos Poderes Judiciários dos referidos países.
Apenas considerando os dados desses três países, já se constata que a afirmação de que o Brasil concentra 98%, 90% ou 80% (cada hora é apresentado um quantitativo diferente) dos processos trabalhistas de todo o planeta não se encontra respaldada por evidências, pesquisas e nem mesmo nos cálculos elementares da matemática.
Mas a realidade se revela ainda mais prejudicial à alegação do Ministro.
Conforme dados do IBGE (http://paises.ibge.gov.br//pt) o Brasil possui 204.450.649 habitantes. A Alemanha possui 80.688.545 habitantes. A França possui 64.395.345 habitantes. E a Espanha possui 46.121.699 habitantes.
Desse modo, o Brasil apresenta uma relação de 0,012 processos trabalhistas por habitante (12 processos a cada mil habitantes)
França e Alemanha, países que possuem legislações trabalhistas mais protetivas ao trabalhador do que a atual legislação brasileira, possuem, respectivamente, 0,002 e 0,004 processos trabalhistas por habitante (2 e 4 processos a cada mil habitantes)
Já a Espanha, país no qual já foram realizadas diversas reformas trabalhistas para a retirada de direitos dos trabalhadores, apresenta uma relação de 0,036 processos trabalhistas por habitante (36 processos a cada mil habitantes).
Portanto, além de constatar a falsidade a alegação de que o Brasil concentra 98% dos processos trabalhistas de todo o planeta, a pesquisa revela que também existem elementos para se constatar que o Brasil não apresenta o maior índice de processos trabalhistas per capita e que alguns países que possuem um maior grau aos proteção aos direitos trabalhistas possuem um índice de processos trabalhistas per capita inferior ao de países nos quais os trabalhadores possuem menos garantias.
Infelizmente, argumentar com base dados e evidências científicas ( e aqui estamos falando de estatística básica, e não de Direito) normalmente não é uma tarefa fácil no Brasil. Com frequência, até mesmo a parcela mais instruída da população prefere se apegar aos argumentos de autoridade que se adequam com uma visão ou pré-disposição ideológica sobre um tema.
É o que os pesquisadores tem denominado de era da "pós verdade", na qual a divulgação de informações bombásticas e a repercussão da notícia tem mais importância do que a veracidade das alegações. Fenômeno que nós, enquanto sociedade, devemos constantemente combater, sobretudo quando estão relacionadas aos debates políticos ou aos projetos de lei de interesse de toda a população.
Infelizmente, não tenho um meme engraçado, um gráfico vistoso ou uma frase de impacto para rebater a afirmação e "viralizar" esta mensagem. Tenho apenas argumentos, com base nos fatos relatados.
RÔMULO VALENTINI.
DOUTORANDO EM DIREITO DO TRABALHO NA UFMG
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