DOUTRINA SÍNDROME DE BURNOUT – ASPECTOS LEGAIS TRABALHISTAS
CLAUDIA BRUM MOTHÉ Advogada graduada pela PUC-Rio – Especialista em Direito do Trabalho – Mestre em Direito pela Estácio de Sá – Professora de Direito do Trabalho na Escola Superior de Advocacia da OAB-Barra da Tijuca – Titular de Claudia Brum Mothé Advocacia e Consultoria Trabalhista
Há alguns anos, um novo assunto vem sendo veiculado em artigos médicos, de psicologia social e jurídicos, como sendo uma importante causa de afastamentos dos empregados de seus postos de trabalho: o esgotamento profissional, mais conhecido como Síndrome de Burnout. A Síndrome de Burnout tem sua origem na atividade laboral, aliada às pressões prolongadas que uma pessoa sofre ante os fatores estressantes, emocionais e interpessoais relacionados ao trabalho. Trata-se de uma doença psicológica caracterizada pela manifestação inconsciente de esgotamento profissional. O termo vem do inglês burnout, que seria para o português “combustão completa”. O indivíduo então com o desgaste e a exaustão emocional se sente queimar de dentro pra fora, como se sua energia se esvaísse ao final do processo. A pessoa acometida por essa síndrome se consome internamente, tanto fisicamente quanto emocionalmente. Tem-se muitas vezes a dificuldade em diagnosticar a doença fora do contexto trabalhista, por esta demonstrar sintomas comuns a depressões e transtornos de ansiedade. A síndrome foi observada originalmente em profissionais que lidam com o público, tais como médicos, psicólogos, professores e agentes penitenciários. Contudo, atualmente, ele atinge um número cada vez maior de pessoas que trabalham em diversos níveis e áreas. Nos dias de hoje, a forte competitividade, a escassez do tempo, a busca incessante por metas cada vez mais distantes podem levar o trabalhador a um quadro de completa apatia e desâ- nimo pelo trabalho, que não raro deságua no uso abusivo de álcool e drogas, entre outras moléstias. O quadro clínico da Síndrome de Burnout se manifesta geralmente através do esgotamento físico e mental e com a diminuição dos recursos emocionais. O trabalhador afetado tende a ficar inquieto, irritado, com dificuldades de concentração e memorização, agressivo com colegas e superiores, além de sentir dores musculares, dor de cabeça, perda do sono, hipertensão arterial, alergias, perda ou ganho de peso, problemas de estômago e até pânico. As mulheres são ainda mais vulneráveis aos problemas mentais no trabalho, não só pelo fato de terem que enfrentar a dupla jornada (casa e trabalho), mas também porque estão mais sujeitas ao assédio sexual. Assim, a Síndrome de Burnout, ou Síndrome do esgotamento profissional, é originada pela conjunção de fatores internos (subjetivos) a fatores exógenos, capazes de criar um ambiente de trabalho patogênico, extremamente gravoso ao patrimônio laboral do trabalhador. Dada a necessidade de prevenção e de tratamento, a Síndrome de Burnout foi incluída pela Previdência Social no Código Internacional de Doenças, no grupo de Transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho (Grupo V – CID-10), cuja relação com o direito do trabalho macula-se ao “ritmo de trabalho penoso” e a “outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho”. A Portaria GMS 1.339/99 do Ministério da Saúde, que relaciona as doenças de origem ocupacional que possibilitam o afastamento junto ao INSS, aponta a Síndrome de Burnout como um desses males. LEGISLAÇÃO, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA 377 FONTE/DOUTRINA FASCÍCULO 38/2015 COAD Por tratar-se de uma doença psíquica, considerada doença ocupacional, muitos consideram a Síndrome de Burnout um acidente de trabalho. Para elucidação, o art. 19 da Lei nº 8.213/91 conceitua o acidente de trabalho: “Art. 19 – Acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.” Parece-nos assim que a Síndrome de Burnout enquadra-se no conceito supra, posto que se trata de uma perturbação funcional causadora da perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Por complemento, se analisado o art. 20 da Lei 8.213/91, não resta dúvidas da relação da Síndrome ao acidente de trabalho. “Art. 20 – Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministé- rio do Trabalho e da Previdência Social; II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I." Como previsto no art. 20, II da Lei 8.213/91, a Síndrome de Burnout relaciona-se diretamente com as condições de realização do trabalho, principal causadora do estresse ocupacional. A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo 7º, inciso XXII, como dever do empregador, a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Desse modo, é dever do empregador assegurar aos empregados um ambiente de trabalho sadio tal que, ao ser demitido, esteja apto e gozando da mesma saúde física e mental em que se encontrava na época da sua admissão. Nesse diapasão, a Consolidação das Leis do Trabalho também assegura ao trabalhador a proteção à saúde física e psíquica, como dever do empregador, a fim de se evitar o surgimento de doen- ças ocupacionais, conforme o artigo abaixo transcrito: “Art. 157 – Cabe às empresas: I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.” Consoante a isso, entendimentos jurisprudenciais reconhecem a Síndrome de Burnout como ensejadora de indenização, desde que caracterizada a relação de causa (da execução do trabalho ao estresse laboral) e consequência (diagnóstico da síndrome). Segue decisão do Tribunal Regional do Paraná, sobre o tema: “TRT-PR-9-9-2011 – EPISÓDIO DEPRESSIVO GRAVE – SÍNDROME DE BURNOUT – NEXO DE CAUSALIDADE COM O TRABALHO CONFIGURADO – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Hipótese em que constam nos autos atestados médicos e declarações firmadas por psiquiatra que revelam que a reclamante sofreu tratamento especializado por quadro de transtorno depressivo grave, com diminuição do desempenho profissional, esgotamento emocional, despersonalização e perda de produtividade (”Síndrome de Burnout“), e que a sua saúde física e mental estava sendo abalada no local de trabalho. O INSS reconheceu, por meio de parecer técnico médico pericial, o nexo causal entre a atividade da autora e a doença apresentada, justificando a concessão do benefí- cio como acidentário, com CID F322, que corresponde a episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos. É fato notório que a categoria em questão é vitimada pela ”Síndrome de Burnout“, justamente em razão dos métodos de gestão assediosos, das situações com que lidam os trabalhadores, da excessiva cobrança quanto ao cumprimento de tarefas, aliada a uma jornada de trabalho exaustiva, o que sugere, inclusive, inversão do ônus da prova, no caso, despiciendo. Recurso ordinário da autora a que se dá provimento para reconhecer a responsabilidade civil da ré pela doença que a acomete e condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais.” Ademais, a Lei 8.213/91, que cuida dos Planos de benefícios da Previdência Social, trata dos direitos e garantias do trabalhador acometido pela Síndrome de Burnout, garantindo-o a permanência de seu contrato de trabalho na empresa por, pelo menos, doze meses, dentre outras providências abaixo referidas: “Art. 118 – O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.” Desse modo, os pedidos judiciais de reparação nestes casos encontram farto apoio na legislação, como é possível verificar nos dispositivos legais acima mencionados, bem como no artigo 5º. Inciso X e artigo 7º. Inciso XXVIII da Constituição Federal. Além disso, consoante o art. 5º. XXIII e 170, III da Constituição Federal, é dever do empregador zelar para que haja um ambiente de trabalho sadio e respeitar o trabalhador na condição de pessoa humana. Assim, à medida que a Síndrome de Burnout é considerada pela lei como um problema de saúde ocupacional, tendo como fator de risco justamente as condições de trabalho, pode o empregado pleitear indenizações materiais e morais do patrão, mediante a alegação de que ficou doente por culpa deste. Uma vez provada a doença e o nexo causal com o trabalho, o empregado terá reconhecido pela Justiça do Trabalho o direito ao afastamento médico para tratamento, indenização pelos gastos que tiver, pensão por eventual incapacidade para trabalhar, além de indenização por dano moral que pode chegar a valores bastante expressivos. Destarte, cabe ao empregador encaminhar o trabalhador ao tratamento médico especializado de maneira a não querer eximir-se de sua responsabilidade legal frente ao problema enfrentado pelo funcionário. É sabido que medidas como uma boa política de recursos humanos, que envolva capacitação profissional, perspectivas de crescimento profissional e valorização do trabalhador como pessoa humana, somadas a ações coletivas como implantação de ginástica laboral, aprimoramento ergonômico e promoção de atividades que incentivem a boa convivência entre os funcionários podem ajudar muito. A importância da prevenção à ocorrência da Síndrome de Burnout, a começar pelo ambiente de trabalho, de maneira a satisfazer os interesses do empregador sem sobrecarregar o empregado é fundamental. Um ambiente de trabalho saudável torna possível a integração do empregado ao trabalho, estimulando-o de modo a caracterizar um ganho para o empregador, pelos resultados na produção, e para a sociedade, com a redução dos casos de afastamento. Conciliar a saúde psicológica do trabalhador sem perder a produtividade é um dos desafios do empregador. A estratégia organizacional da empresa é, portanto, fundamental como pré-condição para a prevenção da Síndrome de Burnout, bem como cabe ao empregador buscar meios de fornecer atenção psicoterápica aos empregados. É importante tentar identificar os processos de degradação psicológica desde as primeiras manifestações, a fim de evitar que o indivíduo chegue a estágios avançados do Burnout, entre outros distúrbios. Contudo, uma vez acometido da síndrome, o LEGISLAÇÃO, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA 376 COAD FASCÍCULO 38/2015 DOUTRINA trabalhador deve receber atenção psicoterápica e ter assegurados os seus direitos de Previdência Social. Como se depreende do exposto, relevante se mostra o estudo e debates sobre o tema (Síndrome de Burnout), não só entre médicos e psicólogos, mas também entre líderes de trabalhadores, profissionais de recursos humanos, juízes, advogados, ministério público e sindicatos.
Fonte: O Assédio no Trabalho. Editora Pergaminho. Cascais, Portugal. SÍNDROME DE BURNOUT, Saúde e Direitos do Trabalhador – www.rhevistarh.com.br/portal/?p=524. SÍNDROME DE BURNOUT: UMA ANÁLISE PSICOJURÍDICA – www.webartigos.com/artigos/sindrome-de-burnout-umaanalise. Síndrome de Burnout – JusBrasil – Bem-vindo ao novo JusBrasil – www.jusbrasil.com.br/topicos/26819248/sindrome-de-burnout.
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